OAB XXV – Possibilidade de recurso em Processo Civil?
Olá, pessoal. Quem fala é Thiago Antunes, aqui para resolver mais uma questão de Dir…
Ops. Hoje o motivo é diferente. Pouco – ou nada, até onde pude perceber – se falou sobre a questão 55 da prova branca do XXV Exame da OAB, aplicado neste último domingo, aos 08/04/2018. Vamos a ela:
Tancredo ajuizou equivocadamente, em abril de 2017, demanda reivindicatória em face de Gilberto, caseiro do sítio Campos Verdes, porque Gilberto parecia ostentar a condição de proprietário. Diante do narrado, assinale a afirmativa correta.
- A) Gilberto deverá realizar a nomeação à autoria no prazo de contestação.
- B) Gilberto poderá alegar ilegitimidade ad causam na contestação, indicando aquele que considera proprietário.
- C) Trata-se de vício sanável, podendo o magistrado corrigir o polo passivo de ofício, substituindo Gilberto da relação processual, ainda que este não tenha indicado alguém.
- D) Gilberto poderá promover o chamamento ao processo de seu patrão, a quem está subordinado.
Como se pode notar, a FGV escolheu como gabarito a assertiva constante na letra B, sendo inclusive esta a minha opção quando do gabarito extraoficial por mim fornecido pouco após a prova – por pura e simples falta de opção. Ocorre que aos que assistem às minhas aulas e, principalmente, se interessam por Processo Civil, é cediço que a Teoria da Asserção é a teoria da ação (na verdade, apenas um método pertencente à Teoria Eclética, mas, mais sobre isso, nas aulas) adotada não apenas pela FGV, como também pelo STJ, pela maioria da doutrina pátria e pelo humilde professor que vos fala.
Para esta teoria, como explanado durante as aulas e até mesmo numa questão respondida por mim em vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=YxFrZ6C-YsQ&t=62s), as condições da ação são aferidas in abstracto, levando em conta APENAS as afirmações do autor. Em resumo, se o autor diz que acredita que fulano é possuidor de um imóvel, fulano é legitimado a responder a uma ação possessória contra ele ajuizada. Ponto. Se ele é ou não, de fato, possuidor do imóvel, é uma questão de mérito – logo, não há que se falar em ilegitimidade ad causam, mas mérito.
Não é uma teoria fácil de entender, não tenham dúvidas. Os próprios autores são confusos ao tratar dela. Mas simplificando de maneira correta: a teoria da asserção é o método de análise das condições da ação pelo cotejo das afirmações (asserções) do autor na petição inicial. Se o juiz perceber que, mesmo estando falando a verdade e correto sobre tudo, o autor ainda assim não logrará êxito no processo por ilegitimidade ad causam (dele ou do réu) ou por falta de interesse processual, deverá extinguir o processo sem julgamento do mérito. Tudo com base nas alegações autorais – para maiores esclarecimentos, indico minhas aulas, a resolução da questão acima e o livro de Alexandre Freitas Câmara: O Novo Processo Civil Brasileiro.
Sem maiores delongas: a questão trata de um equívoco do autor por pensar estar ajuizando a ação reivindicatória contra quem aparentava ser proprietário do sítio, mas era apenas caseiro. No entanto, como já explicitado, se a FGV adota a teoria da asserção na elaboração de suas provas, deveria ter em mente que, caso a alegação (de novo, asserção) do autor seja verdadeira, ele lograria êxito no processo. Diferente seria a situação hipotética em que o autor alegasse estar ajuizando a ação contra Gilberto, que ele sabia ser o caseiro. Somente nesta última hipótese estaríamos diante de uma ilegitimidade ad causam, porque, abstratamente falando, é impossível lograr êxito numa reivindicatória contra o caseiro, o que faria de Gilberto parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda.
Como já mencionado anteriormente, se Tancredo ALEGA em sua petição ser Gilberto a pessoa que aparenta ser proprietária do sítio, essa é uma questão de mérito – e não de ilegitimidade ad causam. É por isso mesmo que o art. 338 do CPC não qualifica a ilegitimidade nele presente como ad causam, mas ampla, como qualquer ilegitimidade apta a permitir a extromissão do réu na lide, seja ela processual ou meritória – o que se infere pelo fato de o dispositivo em tela mencionar não apenas a ilegitimidade como apta a permitir a substituição do polo passivo, mas também a alegação de não ser o réu o causador do prejuízo (questão de mérito).
Não sou um vendedor de sonhos. Não posso dizer com certeza que a FGV irá anular essa questão, principalmente porque pouco se fala sobre ela. O que posso dizer sem medo é que ela está errada, sem sombra de dúvidas, mormente pelo fato de a banca adotar a teoria da asserção em todas as suas provas (depois atualizarei os posts com as provas nas quais a própria FGV se assume partidária da teoria da asserção).
Importante frisar que há autores que afirmam de maneira ERRADA que a teoria da asserção depende de a impertinência subjetiva ser constatada antes ou depois da instrução probatória. Nas aulas do curso, onde aprofundo um pouco mais a matéria, eu corrijo este tipo de afirmação, vez que como o Papa do Direito Processual Civil brasileiro, Barbosa Moreira, ensina com maestria, pouco importa o momento de constatação das condições da ação, já que podem ser percebidas a qualquer tempo e grau de jurisdição. O que importa é UNICAMENTE a alegação (afirmação, asserção) do autor em sua petição inicial. Mais nada.
Um resumo a todos os menos iniciados em processo civil, que estão olhando para este texto como se ele estivesse escrito em árabe:
- A FGV é adepta da Teoria da Asserção, a qual afirma que as condições da ação (a exemplo da ilegitimidade ad causam) são aferidas unicamente pela análise das alegações do autor. Se o autor pode lograr êxito como o que afirmou, a “impertinência subjetiva” descoberta no decorrer da ação será questão de mérito, e não de ilegitimidade ad causam, que é questão processual.
- Na questão em tela, o autor afirma que o réu ostenta a qualidade (ou aparência) de proprietário. Logo, segundo a teoria da asserção, o réu possui legitimidade passiva ad causam para figurar no processo. Se descoberto posteriormente ser ele o caseiro, isso será resolvido como mérito da causa.
- O art. 338 do CPC, na qual a questão se baseia, não fala em ilegitimidade ad causam, mas em ilegitimidade ampla, significando qualquer motivo pelo qual o réu não deva figurar no processo, seja tal motivo de mérito ou não.
Boa sorte a todos. Aos que recorrerem, não copiem e colem o que escrevi, pois a FGV pode desconsiderar sumariamente seus recursos neste caso. Tentem entender a teoria e dizer, com suas próprias palavras, o porquê de a questão estar errada.
Grande abraço e fiquem com Deus.
UPDATE: as questões que comprovam a adesão da FGV à teoria da asserção são duas, sendo a primeira a respondida no vídeo (https://www.fonteconcursos.com.br/questoes-de-concurso/fc104356), na prova de Analista Ministerial do Rio de Janeiro, de 2016. Também uma mais direta,(https://www.fonteconcursos.com.br/questoes-de-concurso/fc104481), na prova de Técnico Ministerial do Rio de Janeiro, de 2016.